29 May 2008

"Peeping Tom", de Michael Powell [1960]




"I feel...
I can't describe it,
I can only photograph it."

Mark Lewis, in "Peeping Tom"


"Peeping Tom", é um filme sobre a tendência doente do voyeurismo, colocada num extremo ainda mais doentio, em que a personagem principal, Mark Lewis (Carl Boehm), experimenta sobre o medo, a reacção ao medo, e a provocação do medo nas pessoas que se tornam nos objectos fotografados pela sua camêra.

Mark trabalha para um estúdio de cinema, para o qual é o técnico de Focagem, e nos tempos livres faz fotos eróticas estilo "pin-up" na clandestinidade, artigo muito procurado pelos clientes da loja para a qual ele as realiza. Mark foi abusado psicologicamente por seu pai, cientista brilhante, que efectuou estudos muito extensos sobre o medo e o sistema nervoso, usando para tal o seu próprio filho, e tendo efectivamente filmado tais experiências. Advindo daí, certamente, a sua paixão pelo "olho" da camâra, assim como um certo desvio de comportamento. É, no entanto, um jovem bastante inteligente, mas extremamente tímido e fechado. Desde jovem que Mark revelava já um certo interesse pela observação, mas também pela sexualidade livremente expressada pelos casais, como por exemplo um casal que se esteja a beijar num parque. Quando uma rapariga do seu prédio demonstra começar a desenvolver uma certa afeição por ele, pessoa particular, apesar da sua assustadora estranheza, mais do que pela normalidade de um outro jovem que habita no mesmo prédio, Mark abre-se e, de certa forma, aproxima-se dela, aparentando buscar um certo controle sobre o seu distanciamento emocional relativamente aos demais humanos, em oposição ao distanciamento físico de voyeur.

As cores saturadas do filme, e os seus cenários, que transpiram a ambiente de estúdio, ajudam a criar o ambiente desta realidade "sui-generis", plástica, como que moldável por Mark, tal qual o mundo de fantasia de uma criança. O mais interessante e digno de estudo neste filme, será a inter-relação entre o "simples" voyeur, o obstinado observador, e o cineasta, observador por obrigação, e prazer, certamente. O filme está repleto de pormenores deliciosos, embora sórdidos, que completam a metáfora do filme dentro do filme. Quando Helen beija Mark, ele encosta pouco depois os seus lábios à objectiva da sua camâra, em sinal de afeição, assim como, em procura da verdade, da realidade, comprovando-a. Enquanto a sua vida pessoal parece estar próxima de se definir, numa nova direcção, controlando os seus impulsos, a sua obra dirige-se vertiginosamente para o fim, onde a sua displicência relativamente a todas as circunstâncias externas se evidencia, assumida. Afinal esta era a sua intenção. Completar a sua obra, o seu estudo.


" - What would frighten me to death?
Set the mood for me Mark.

- Imagine someone coming towards you.
He wants to kill you.
Regardless of the consequences.

- A madman?

- Yes.
But he knows it! "

in "Peeping Tom"


daigoro

"Sword Of Doom", de Kihachi Okamoto [1966]


Ryunosuke é um implacável samurai. Logo na cena inicial enquanto a neta de um velho peregrino se afasta para lhe ir buscar água, ele reza junto a um pequeno templo pedindo a buda que o leve, para que deixe de ser um fardo para a sua neta. Como que um anjo da morte, Ryunosuke aparece e mata-o sem razão aparente a não ser a de o velho estar a pedir. Esta sua acção tem consequências maiores do que as que inicialmente se poderiam prever.

Ryunosuke possui um estilo muito particular, havendo sido expulso da sua escola anterior, e dominando mais tarde o que chamam de "silent form", atraindo os inimigos a atacarem, aparentando estar vulnerável, tornando então a defesa em ataque e disferindo um golpe mortal.

A realização tem vários pormenores de estilo deliciosos, perfeitas no já conhecido estilo de filme de samurais japonês, superando-se a si próprio, e às nossas expectativas, por ocasionalmente executar umas quebras na narrativa linear, de forma a evidenciar os pensamentos de determinadas personagens em determinado momento, reafirmando a razão pela qual a acção toma determinado rumo. Opção peculiar e pouco comum neste tipo de cinema, e principalmente para esta altura, deliciando o espectador mais atento. O pai de Ryunosuke, um velho doente e acamado, e seu primeiro instrutor, refere que a sua crueldade com a espada parece já se ter apoderado também do seu corpo e alma, ciente de que a humanidade, a compaixão, o sentido do correcto não existem já para o seu filho. As sequências de acção são excelentes, muito bem filmadas, e muito bem executadas. Há portanto razões para este filme ser ainda hoje uma referência, exigindo no entanto uma certa atenção aos pormenores, devido à trama geral e final se começar a forjar aos poucos desde o início do filme.

Não deixamos no entanto de sentir uma certa simpatia para com o protagonista, por muito cruel que seja. O seu olhar vazio de expressão, parece conter uma impotência relativamente ao controle das suas acções, fatalismo relativo à sua falta de algo em que acreditar, alguém em quem confiar. Destaque ainda para a presença de Toshirô Mifune, que interpreta um renomado e sábio instrutor de kendo.


"I trust only my sword in this world.
When I fight, I have no family."

Ryunosuke , in "Sword of Doom"


daigoro

28 May 2008

"IMAGES", de Robert Altman [1972]



"IMAGES" de Robert Altman [1972]


Um desconcertante filme que mostra mais uma vez que nesta década se faziam grandes filmes jogando com a psique mais profunda das pessoas. Uma mulher atormentada por imagens que lhe surgem de pessoas, acontecimentos, alguns, reminiscências do passado, outros, quem sabe. A visão a que temos acesso é quase sempre apenas a sua. Susannah York é Cathryn, a personagem principal deste filme, e é também a autora do conto infantil, "In Search of Unicorns", que Altman usou no filme. A interpretação de York é quão bela quanto aterradora, que enfatizada pela brilhante realização de Altman, atormenta-nos, apertando-nos o coração e os pulmões, impedindo-nos de respirar livremente. É implacável e sem piedade o tormento que a esquizofrenia desta bela mulher nos inflige, e inflige a si própria. Cada vez mais agressiva para com as suas visões, assusta-nos nas suas tentativas de se livrar delas, enquanto viaja intermitentemente entre o mundo real e o imaginado. O seu marido, única forma de sentir-se sã, âncora na realidade, enquanto ocupado com outros assuntos, desconsidera levianamente os "avisos" da sua cada vez mais proeminente loucura.

A realização de Altman é qualquer coisa de genial. Pormenorizada, rápida, crua. Como exemplo é a forma como filma e edita a cena em que Cathryn se entrega a fazer amor, visando de uma forma brilhante o seu estado mental, assim como a sua conturbada entrega física; ou o uso de espelhos e espanta-espíritos, que tanto prendem a atenção de Cathryn, assim como reflectem a sua imagem completando esta esquizofrenia visual na qual somos lançados. Altman joga até com os nomes dos actores e os das personagens, como por exemplo: Susannah York interpreta Cathryn, Cathryn Harrison interpreta Susannah. A fotografia de Vilmos Zsigmond é excelente, justificando o porquê de ter sido o cameraman preferido de Altman nesta altura. Até a banda sonora de John Williams, atípica, para o mais comum conhecedor do seu trabalho, é adequadamente punjente, complementada pela participação de Stomu Yamashta, com o crédito de ter criado o "noise" mais agressivo.


"The stone circle
was shrouded in stillness.

There was no whisker of wind...

but the holy tree
swayed and tossed...

as if in the grip
of some terrible storm.

Deep sobbing broke
from its trunk...

as though some locked creature
was struggling to escape."

Cathryn, in "Images"
(do livro de Susannah York "In Search of Unicorns")


daigoro

27 May 2008

Sydney Pollack Dies; Actor and Actor's Director


Sydney Pollack helped make a sex symbol of Robert Redford, an Oscar-caliber star of Jane Fonda and a woman of Dustin Hoffman.

Pollack, the quintessential actor's director of Tootsie, The Way We Were and more, who seemed most comfortable in the company of Hollywood's biggest stars, and vice versa, died tonight of cancer at his Los Angeles home.

The filmmaker, a two-time Oscar-winner, was 73.

"Sydney made the world a little better, movies a little better and even dinner a little better," George Clooney said in a statement. "A tip of the hat to a class act. He'll be missed terribly."

Pollack recently worked with Clooney on Michael Clayton, which Pollack acted in and helped produce, and Leatherheads, which he executive produced.

Michael Clayton, a Best Picture contender at this past February's Oscars, brought Pollack his sixth career nomination. He won his pair of statuettes for directing and producing the 1985 Best Picture winner, Out of Africa.

He also earned nominations for directing and producing Tootsie, the beloved cross-dressing 1982 comedy, and for directing the 1969 dance-marathon drama, They Shoot Horses, Don't They?

A former acting teacher who became an in-demand character actor, Pollack had memorable on-screen turns in Stanley Kubrick's Eyes Wide Shut, Woody Allen's Husbands and Wives and his own Tootsie, in which he played Hoffman's exasperated acting agent.

Indicative of a career that seemed as vital as ever, Pollack can currently be seen in theaters as Patrick Dempsey's father in the comedy Made of Honor.

Pollack, the producer, likewise was busy. He had a number of films in the offing, including The Reader, an upcoming Ralph Fiennes-Kate Winslet romantic drama, from the production company he founded with Anthony Minghella, the Oscar-winning writer/director who died suddenly in March.

With its central love story, The Reader seems a prototypical Pollack production. As the filmmaker told E! Online in 2000, "I have never done a film without a love story."

And, he could have added, he never did a film without an A-list actor, either.

Hoffman, Tom Cruise (The Firm), Meryl Streep (Out of Africa), Paul Newman and Sally Field (Absence of Malice), Nicole Kidman and Sean Penn (The Interpreter) all worked with Pollack, the director.

Harrison Ford made two movies with Pollack—Random Hearts and Sabrina.

Robert Redford made seven—Havana, Out of Africa, The Electric Horseman, Three Days of the Condor, The Way We Were, Jeremiah Johnson and This Property Is Condemned.

A star on a Pollack film, especially a Pollack film of the 1970s and 1980s, could almost bet on two things: The film selling a lot of tickets, and the film netting a lot of Oscar nominations. Actors who earned Academy Award nominations in Pollack films included Hoffman, Newman, Streep, Barbra Streisand (The Way We Were) and Holly Hunter (The Firm).

While Pollack was known for deftly and successfully working with Hollywood giants, he also had a knack for discovering talent. Or, maybe it's better put, he had a knack for recasting talent.

He spotted Greg Kinnear on E!'s Talk Soup, cast him as Ford's younger brother in Sabrina and set the TV host onto an Oscar-nominated acting career.

He directed the post-Barbarella Jane Fonda, not then noted as a serious actress, to her first Oscar nomination in They Shoot Horses, Don't They?

And he directed Jessica Lange, also not yet then noted as a serious actress, to her first Oscar-winning performance as Hoffman's insecure love interest in Tootsie.

Of all the stars he worked with, Pollack was most associated with Redford. This Property Is Condemned, released in 1966, was Pollack's second feature as director, and one of Redford's first as a leading man. The two went on to work together on one of the biggest box-office hits of the 1970s, the love song-inspiring The Way We Were, to one of the more notorious busts of the 1990s, the bad review-inspiring Havana.

"I'll tell you something," Pollack said of Havana to the New York Times. "If I had to do it again, I'd do it. I loved that character that Redford played."

Pollack was biased. He saw in Redford "the quintessential American hero," he told E! Online, and "the loner, the guy who wanted to make his own rules, the guy who learns to become a real human being through the love of a woman," he expounded on to the Times.

A man who becomes a better man by becoming a woman was the premise of Tootsie, arguably Pollack's greatest success as director, Oscar wins notwithstanding, and his only film make the American Film Institute's list honoring the 100 best U.S.-made movies.

Tootsie, in which difficult actor Michael Dorsey (Hoffman) becomes a soap star by pretending to be spunky actress Dorothy Michaels (also Hoffman), earned 10 Academy Award nominations, and reignited Pollack's left-for-dead acting career.

According to the filmmaker, Hoffman suggested—no, demanded—that Pollack play Michael Dorsey's agent, instead of Dabney Coleman, who'd been cast.

"Dustin was very fond of Dabney, but he felt he was a colleague and a peer," Pollack told E! Online. "…He said, 'If a peer says to me, 'You're never going to work again' I'm not gonna put on a dress. If you say to me, 'You're never gonna work again,' then maybe I'll put on a dress."

Coleman ended up playing the movie's boorish soap director; Pollack ended up on other directors' call sheets.

He played the midlife-crisis-suffering husband in Allen's Husbands and Wives. He played the tony Long Islander with a penchant for clothing-optional costume parties in Kubrick's Eyes Wide Shut. He played Clooney's law-firm boss in Tony Gilroy's Michael Clayton.

Pollack also did a good amount of TV, including stops on The Sopranos, Frasier and Will & Grace, where he occasionally appeared as Eric McCormack's prime-time father.

Born July 1, 1934 in Lafayette, Indiana, Pollack once said of his childhood to the Times, "I think of it with great sadness. It was a real cultural desert."

Pollack found a home in New York City, where acting class kept him busy as both student and teacher. Of his teaching career, Pollack said it only came about because he couldn't find work as an actor.

The turning point came in 1959 when John Frankenheimer, a prolific director of the era's live TV dramas who would later helm films such as the original Manchurian Candidate, hired Pollack as an acting coach. The gig led to TV directing gigs which led to his first feature, The Slender Thread, a 1965 suicide hotline drama starring, as would become Pollack's way, two stars, Sidney Poitier and Anne Bancroft.

Pollack's last dramatic film as director was the United Nations-set The Interpreter, which was released in 2005, the same year as the lone documentary as a filmmaker, Sketches of Frank Gehry, about the noted architect.

A prolific producer and executive producer, Pollack helped make high-profile Oscar fare (Minghella's Cold Mountain and The Talented Mr. Ripley), smallish films (Sliding Doors, Searching for Bobby Fischer) and even a John Goodman vehicle (King Ralph).

In the end, Pollack was defined by big stars and big movies. He knew it. And embraced it.

"Not all those big movies are good for you. I suppose there's a lot of bad ones—I'm sure people would say I've made some of them," Pollack once told National Public Radio. "But the good ones do move you."

in E online

24 May 2008

"Sunset Blv." de Billy Wilder [1950]


"Sunset Blvd." , "O Crepúsculo dos Deuses"


Debaixo do foco de luz estamos vivos. Somos vida. E Norma Desmond deseja voltar a sentir esse foco de luz apontado para ela. Mais do que tudo. Esse foco que traz imediato reconhecimento, atenção, amor. Assim que nos é retirado, tudo desaparece muito rapidamente, e depois, o que resta? Afinal quantas coisas nós podemos ter/desejar na nossa vida? Trabalho... Amor... e...

As personagens deste filme inspiram pouca simpatia. Um escritor algo falhado, com uma oportunidade fácil, à qual se entrega sem grande contemplação, mas perfeitamente consciente das suas acções, mas sem deixar que a sua pouca moral o afecte de maior. Uma ex-actriz, estrela do cinema mudo, seduz o escritor a escrever a obra que a fará voltar ao cinema, desenvolvendo uma relação de co-depêndencia pelo caminho, tornando-o no seu único público, no seu foco de luz.

O filme desenvolve-se como uma sinfonia de vários arranjos, cativando desde o início, quer pela abordagem, quer pela filmagem e cinematografia. Com várias referências reais a Hollywood, realizadores, e com pormenores em que a actriz Gloria Swanson "encena" para a personagem de Wiilliam Holden, cenas de filmes mudos nos quais ela havia participado, este filme envolve-nos num subir firme de emoções, deixando-nos ao mesmo tempo no vazio sobre que atitude aceitar, que julgamentos fazer. Uma realização excelente de Billy Wilder, com uma verdadeira homenagem aos grandes actores, assim como ao seu declínio, "Sunset Blvd" tece uma densa teia emocional, onde o espectador enfrenta confrontos humanos difíceis de julgar. Uma estória repleta de história, onde Buster Keaton, H.B. Warner, and Anna Q. Nilsson, ex-actores do cinema mudo, rejeitados desde a introdução do som nos filmes, e chamados no filme por Joe Gillis como as "figuras de cera", são eles próprios parceiros do jogo de Bridge de Norma. Até Cecil B. DeMille é actor, interpretando-se a si próprio. Especial nota para a interpretação de Erich von Stroheim como mordomo.


"...Mr. DeMille, I'm ready for my close-up."

Norma Desmond, in Sunset Blvd


daigoro

Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull (2008)

Mais uma boa aventura do nosso velho amigo Indiana Jones :)
Foi bom recordá-lo e ver que continua igual a si mesmo, não nos desilude apesar de estar muito cota.
O filme mantém o mesmo ritmo de aventura e humor dos anteriores. A música, o chapéu, o chicote... está tudo lá.
O puto está fixe (ao contrário do que estava à espera). A primeira imagem que temos dele parece uma homenagem ao Marlon Brando anos 50 ;) very nice.
Gostei muito do regresso da Marion do primeiro filme.
A Cate Blanchett está com um bom sotaque, e é tão boa actriz que nem damos por ela.
Curti o tipo de letra no início do filme :D
O que menos gostei: a história é normalzinha, é mais uma aventura do Dr.Jones, venham mais!

23 May 2008

CAOTICA ANA, de Julio Medem, [2007]


CAOTICA ANA, de Julio Medem, [2007]

Quem me conhece cinematograficamente sabe, ou poderá lembrar-se que este realizador basco é um dos meus favoritos. "Lúcia y el Sexo", 2001, foi o filme que catapultou Julio Medem para a projecção internacional, tendo sido nomeado para vários prémios, colhendo outros tantos pelo caminho. O seu filme "La Ardilla Roja", 1993, constava dos filmes favoritos de Kubrick. Além de ser um autor em toda a acepção da palavra, escrevendo e realizando todos os seus filmes, é dotado de um humanismo muito próprio, transparecendo nos seus filmes essa sua qualidade. A divindade do humano, e não o misticismo do divino todo-poderoso. E, penso que é precisamente essa divindade que nos é imputada (por nós próprios), que acarreta o fatalismo e a tragédia latentes na sua obra.

Uma jovem mulher, Ana, que vive em Ibiza com seu pai, muda-se para Madrid após o seu potencial artístico ser descoberto por Justine (Charlotte Rampling). Por vezes Ana parece entrar em transe, estranhas ligações a vidas que ela não viveu surgem na sua mente, infligindo-lhe o seu sofrimento.

"Saber história serve para conhecer o passado;
mas também serve para nos protegermos dela."

Klaus, in Caotica Ana

Carregamos a história no mais profundo dos nossos seres. Tema este que já era explorado por Ken Russell, no seu filme de 1980, "Altered States". É este misticismo que Medem explora neste filme, nesta mulher. Certamente o filme mais pessoal de Julio Medem, uma verdadeira homenagem à mulher, a um legado, a uma força. A sua irmã, a quem dedica o filme, jovem pintora, que faleceu a caminho de uma exposição, surge através dos quadros e das animações do filme. E são precisamente todas estas perspectivas que lhe tiram coesão emotiva. Tudo caminha inexoravelmente para este fim, o fim do filme, o fim deste percurso para esta mulher, ou a continuação do legado, mas algures as coisas abrandam, quase param (é propositado), pois a personagem tenta recomeçar do zero, tenta fugir, mas de algum modo essa fuga quebra um ritmo ansioso que havia criado até aí, com interessantes conversas e perspectivas sobre o comportamento humano, e sobre a arte como registo da cultura, e com o aprofundar na mente desta jovem que carrega um peso demasiado grande para suportar.

" - Senhor, durante quanto tempo prevalecerá a morte?

- Enquanto as mulheres continuarem a ter filhos."

in Caotica Ana


daigoro

8 ½, de Federico Fellini [1963]


Fellini é um Autor, com maiúscula, no verdadeiro sentido da palavra. Quem já teve o prazer de degustar das suas criações sabe que serve tanto para sorver no momento do visionamento, como nos pós pensamentos; viagens posteriores a estes pensamentos levantados pela obra de arte, qualquer ela seja. Esta película é altamente biográfica, ao ponto do título do filme significar o seu oitavo filme e meio. Havia feito seis longas metragens (uma a meias com Antonioni) anteriormente, 2 curtas-metragens e uma colaboração, o que perfaz sete e meio (as curtas e a colaboração contariam apenas metade cada uma). Fellini é um viajante, no etéreo mundo dos sonhos, assim como no conturbado mundo real. Um efabulador. Neste filme, não apenas vivemos a realidade na vida da personagem neste conturbado momento, como temos acesso a pequenos deleites reservados ao poder da observação de um fazedor de imagens em movimento. A câmara viaja por entre estas personagens, mundos, ideias, e realidade com uma suavidade incrível fazendo planos-sequência uns atrás dos outros, e mesmo quando o deixam de ser, parece-nos que ainda estamos conectados com aquela dinâmica. A forma fascinante como o filme se desenrola, retratando-se a si mesmo, e à sua produção, claramente colocando Mastroianni no papel de Fellini como autor com "creative-block".

Este é um filme sobre escolhas, e o facto da personagem principal, Guido (Marcello Mastroianni), ser um realizador com uma crise criativa apenas ilustra a dificuldade na tomada das decisões, dos caminhos a tomar, das mulheres a quem se entregar. Who is who. No fundo, temos um filme que tem de ser feito, ao qual o autor foge constantemente, principalmente a dar respostas definitivas. Mas de alguma maneira reuniu todos ali para aquela produção. E mantém-nos a todos atentos e até sedentos do desenrolar da estória, ou seja, do início desta magnífíca produção. O que acaba por resultar como metáfora para a produção necessária ao enamoramento (romântico, mas não só, a sedução de um público, etc), e mais ainda à "fachada" de vida que leva, e à qual não consegue dar caminho, refugiando-se enfim em alguém em quem confia.

"If only you could be patient a little longer, Luisa.
But you've probably had enough."
Guido, in 0tto e Mezzo.

Por falta de capacidade e/ou possibilidade de se relacionar com os outros, a verdade está mais patente nas imagens concernentes ao filme do que na sua vida real. Na verdade, ambos os mundos se misturam incoerentemente, como se víssemos o mundo pelos olhos do realizador durante o seu processo criativo, e de produção do seu filme. A dúvida do autor sobre o resultado da obra, representa a sua indecisão quanto à vida, quanto às mulheres. O rumo a tomar implica tomar decisões, e este é um argumento que em plena crise criativa parecia não querer sair.

"Could you drop everything and start a new life?
Choose one thing, only one, and stick by it?
Make it your reason for living?
Something all-embracing...total, because your devotion makes it boundless?"
Guido, in Otto e Mezzo.

As mulheres são lindíssimas nos seus filmes, majestosamente belas. Toda a beleza é relativa, mas estas são belezas serpenteantes, antecedendo o pensamento do pecado bíblico por um lado, e por um outro, a beleza da realidade, das vidas e energias de todas as mulheres, representadas pela suavidade da filmagem de Fellini.

"Have no misgivings or regrets.
It's better to destroy than to create,
when one fails to create the bare essentials"

Carini, in Otto e Mezzo.


daigoro

16 May 2008

Festival de Cannes 2008



Comecou no dia 14 o Festival de Cannes, e logo com a exibicao do filme Blindness (apesar das criticas que ouvi nao terem sido muito favoráveis :-()

O cartaz do festival é uma fotografia de David Lynch, adaptada por Pierre Collier.

15 May 2008

Sharkwater

Mas ainda há alguém que coma sopa de barbatana de tubarao???!!!