23 May 2008

8 ½, de Federico Fellini [1963]


Fellini é um Autor, com maiúscula, no verdadeiro sentido da palavra. Quem já teve o prazer de degustar das suas criações sabe que serve tanto para sorver no momento do visionamento, como nos pós pensamentos; viagens posteriores a estes pensamentos levantados pela obra de arte, qualquer ela seja. Esta película é altamente biográfica, ao ponto do título do filme significar o seu oitavo filme e meio. Havia feito seis longas metragens (uma a meias com Antonioni) anteriormente, 2 curtas-metragens e uma colaboração, o que perfaz sete e meio (as curtas e a colaboração contariam apenas metade cada uma). Fellini é um viajante, no etéreo mundo dos sonhos, assim como no conturbado mundo real. Um efabulador. Neste filme, não apenas vivemos a realidade na vida da personagem neste conturbado momento, como temos acesso a pequenos deleites reservados ao poder da observação de um fazedor de imagens em movimento. A câmara viaja por entre estas personagens, mundos, ideias, e realidade com uma suavidade incrível fazendo planos-sequência uns atrás dos outros, e mesmo quando o deixam de ser, parece-nos que ainda estamos conectados com aquela dinâmica. A forma fascinante como o filme se desenrola, retratando-se a si mesmo, e à sua produção, claramente colocando Mastroianni no papel de Fellini como autor com "creative-block".

Este é um filme sobre escolhas, e o facto da personagem principal, Guido (Marcello Mastroianni), ser um realizador com uma crise criativa apenas ilustra a dificuldade na tomada das decisões, dos caminhos a tomar, das mulheres a quem se entregar. Who is who. No fundo, temos um filme que tem de ser feito, ao qual o autor foge constantemente, principalmente a dar respostas definitivas. Mas de alguma maneira reuniu todos ali para aquela produção. E mantém-nos a todos atentos e até sedentos do desenrolar da estória, ou seja, do início desta magnífíca produção. O que acaba por resultar como metáfora para a produção necessária ao enamoramento (romântico, mas não só, a sedução de um público, etc), e mais ainda à "fachada" de vida que leva, e à qual não consegue dar caminho, refugiando-se enfim em alguém em quem confia.

"If only you could be patient a little longer, Luisa.
But you've probably had enough."
Guido, in 0tto e Mezzo.

Por falta de capacidade e/ou possibilidade de se relacionar com os outros, a verdade está mais patente nas imagens concernentes ao filme do que na sua vida real. Na verdade, ambos os mundos se misturam incoerentemente, como se víssemos o mundo pelos olhos do realizador durante o seu processo criativo, e de produção do seu filme. A dúvida do autor sobre o resultado da obra, representa a sua indecisão quanto à vida, quanto às mulheres. O rumo a tomar implica tomar decisões, e este é um argumento que em plena crise criativa parecia não querer sair.

"Could you drop everything and start a new life?
Choose one thing, only one, and stick by it?
Make it your reason for living?
Something all-embracing...total, because your devotion makes it boundless?"
Guido, in Otto e Mezzo.

As mulheres são lindíssimas nos seus filmes, majestosamente belas. Toda a beleza é relativa, mas estas são belezas serpenteantes, antecedendo o pensamento do pecado bíblico por um lado, e por um outro, a beleza da realidade, das vidas e energias de todas as mulheres, representadas pela suavidade da filmagem de Fellini.

"Have no misgivings or regrets.
It's better to destroy than to create,
when one fails to create the bare essentials"

Carini, in Otto e Mezzo.


daigoro

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